Nossa força feminina ancestral

Parte 1

Postado por Allana Carvalho
em 22 de novembro de 2021

Sou filha de Severina e neta de Lídia, que é filha de Alzira, que é filha de Joana, que é filha de Tereza. Também sou neta de Lia, filha de Constância, que é filha de Elisa, que é filha de Amália. Recentemente embarquei na viagem que é investigar a própria família e que, venho descobrindo, também é uma viagem a si mesma.

Desde que me propus a aprender mais sobre meus antepassados, venho escutando muitas histórias que eu não conhecia, descobrindo muitas pessoas que viveram e morreram bem antes de mim. E as principais histórias que eu escuto são de mulheres. As pessoas me contam muito mais sobre elas do que sobre os homens da família, e eu não saberia dizer os motivos disso. Mas é algo que me chama a atenção, porque eu já me atentava para uma coisa que vejo se repetir em muitas mulheres de minha família: são pessoas que costumam tomar a frente de muitas coisas, em vez de esperar.

Nas histórias que escuto (e também nas que vejo), é bem presente a busca por autonomia e independência na história de muitas dessas mulheres. É óbvio que todas devem ter ouvido o famoso “isso não é coisa de mulher”, “sente direito, como uma moça” – eu mesmo ouvi, dessas mulheres inclusive – e aprenderam a dar prioridade aos interesses masculinos nas suas vidas. E ensinaram isso também. Mas também ensinaram a independência e a importância de as mulheres mais novas reconhecerem seus próprios desejos e traçarem seus próprios caminhos.

Algo que me marcou, nas minhas recentes investigações, é perceber que o protagonismo das mulheres no provimento familiar se perpetua ao longo do tempo. Assim como se mantém o lugar de importância dado à educação formal para as mulheres na minha família materna, e o entendimento de que isso as faria independentes. Por exemplo, descobri que minha avó tentou estudar, mas teve constantemente seus cadernos rasgados por um homem que não aceitava o fato de que ela não queria se casar com um primo dele. Minha avó seguiu tentando continuar os estudos, mas entendeu que tinha que ceder quando meu avô lhe mandou uma carta pedindo-lhe em casamento. Não tendo conseguido terminar a escola, batalhou para que todas as filhas conseguissem morar de favor na capital, para poder estudar – e conseguiu. E, enfim, na minha geração, todas as mulheres têm formação superior. Vejo nessa e em outras histórias o desejo e o empenho – aprendido e ensinado, repetidamente – por buscar algo capaz de gerar autonomia e independência feminina.

Aprender mais sobre meus antepassados (minhas antepassadas!) tem me ensinado muito sobre mim e, particularmente, sobre os lugares que as mulheres têm ocupado ao longo da história de minha família. Consigo entender bem mais sobre a educação familiar que tive e sobre o que desejo manter e mudar, inclusive enquanto mulher. Faz cada vez mais sentido aquela frase que diz que cada pessoa é, na verdade, a soma de muitas outras. E também aquela outra frase, de Gonzaguinha, que diz que “é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá”. E eu adicionaria que, nesse caso, mesmo onde a gente não chegou a ir, a gente também é.

Além de um compartilhamento pessoal, esse texto é também um convite para a reflexão sobre como as representações e crenças que temos sobre nós e sobre nossas possibilidades são influenciadas pela história de familiares que vieram antes de nós. Ou melhor, sobre o que nos vemos perpetuando e transgredindo e sobre como a nossa história é, em alguma medida, sempre transgeracional.

Allana Carvalho
Psicóloga e mestra em Psicologia

(Este texto expressa minha opinião pessoal,
sem vínculo com instituições que sou afiliada.)

Crédito da Imagem: PublicDomainPictures - Pixabay